segunda-feira, 22 de outubro de 2007

A História de Manel Canário, o Fadista de Xabregas de Baixo

Manel, um operário da fábrica de enlatados de Xabregas, engordou uns kilos desde 1987, quando desposou Natércia, eterna candidata a Miss Xabregas, perdendo injustamente nesse ano para a esfusiante Maria de Fátima. Sendo o seu nome constante nas listas de beldades Xabreguenses, não foi surpresa quando, finalmente em 1991 Natércia de Jesus ganhou, distintivamente, o dito concurso.
A cerveja ao fim da tarde, depois de sair da fábrica, o tremoço a ver o Benfica, as tardes de Sábado a ver jogos internacionais na Sport Tv, aumentaram o diâmetro do ventre de Manel ao ponto de resvalar por fora das calças e de não haver buracos no cinto que a suportasse. Ao olhar uma fotografia de 1991 com os seus compinchas pode reparar que na altura, todos mais novos e mais magros, o bigode era um adereço da moda, quanto maior e mais proeminente melhor. Hoje em dia, Manel é o único que continua a envergar, orgulhosamente, a sua bigodaça, não abdicando do manto peludo que tapa o lábio superior, caso contrário sentir-se-ia nú.
Manel Canário é um fadista nas horas vagas, escrevinhando uns poemas lá em casa, quando o tempo lhe permite. Nas noites de sexta-feira com o seu amigo Trovador, que toca viola, enchem as noites da Tasca do Zé Chaves com melodias e letras de sua autoria.
Na Tasca, entre os amigos, é conhecido pel'O Costa, não por este ser um dos seus apelidos, mas por ser muito parecido com um jovem que jogou no Xabregas Futebol Clube, tornando-se uma lenda dada a quantidade e facilidade com que marcava golos. O Costa é também muito conhecido em Xabregas pelo Fadista, pelo que se verifica a quantidade de alcunhas que tem.
20 anos depois do casamento com Natércia, Manel decidiu que este ano não se esqueceria de assinalar essa data tão marcante, apesar de nos anos anteriores o esquecimento ser mais constante do que gostaria de admitir. Encomendou uns rissóis à Maria de Fátima, pediu ao Zé Chaves para guardar a tasca só para os amigos, juntou alguma família e escrevinhou um poema para o Trovador musicar. Faz lá uma melodia bonita, é para a minha Natércia, este ano vai ser à séria!
No dia do acontecimento, ansioso, decidiu fingir que nada se passava. Trabalhou até às 5 na fábrica, hora a que ligou a Natércia a perguntar se não queria acompahá-lo à tasca do Chaves para comer uns tremoços e beber umas bejecas.

Ai filho tenho tanta roupa para passar!

Mas Natércia acedeu ao convite. Chegada à tasca do Chaves achou estranho ver um prato colorido com rissóis sorridentemente dispostos e sumo de laranja para acompanhar. Perguntou a Maria de Fátima se havia festa. Oh Comadre, então não?
O Costa já emocionado por ver tanta gente reunida para ouvir um fado inédito, sentou sua mulher na primeira plateia de cadeiras de plástico, perto do balcão onde o Chaves, de braços pendurados, aguardava ansiosamente o momento alto do final da tarde.
Natércia, querida, parece que foi Ontiontem de manhã!
Na parede, um pouco acima do lugar onde o Costa se posicionou para encher os pulmões de ar e começar a cantar, havia, pregado, um letreiro que dizia: Silêncio! Aqui canta-se o fado!

"Ontiontem de manhã
Era eu um homem cego
Ontiontem de manhã
Era eu jovem solteiro
Ontiontem de manhã
Vieste tu, luminosa
Ontiontem de manhã
Por ti me apaixonei perdidamente

Desculpa se não sei rimari
Só sei que parece que foi
Ontiontem de manhã

Ontiontem de manhã
Ontiontem de manhã
Ontiontem de manhã
Ontiontem de manhã

No altar te vi entrar
Ontiontem de manhã
O anel te pus no dedo anelar
Ontiontem de manhã

Ontiontem de manhã
Ontiontem de manhã"

As palmas não se fizeram esperar acompanhadas de Bravos e sorrisos espalhados pela tasca que estava apinhada Bravo, bravo!
Natércia emocionada, com a mala ao colo, procurando um lenço de papel para limpar uma lagrimita, ganhou coragem e disse Oh filho que bonito, mas sabes fizemos 20 anos de casados Antes de ontem!

3 comentários:

Mónica disse...

ós despois é que me fartei de rir

manhã disse...

eheheh,ai o amori!

SalsolaKali disse...

lol
lindo!
e atão ali de Xabregas, tou mesmo a imaginar...