domingo, 27 de julho de 2008

O que se vê em Marte #28




Kings of Convenience @ Cidadela de Cascais 24.07

"Ouvir os Kings of Convinience em disco ou vê-los ao vivo é a mesma coisa e outra completamente diferente ao mesmo tempo. O paradoxo apenas existe para quem ainda não assistiu a um concerto do duo norueguês (assumindo-se cartesianamente que já ouviu os seus dois álbuns, claro). Para quem esteve na Cidadela de Cascais, porém, a antonímia da ambivalência esvai-se assim que nasce. Porque foi o que aconteceu no sétimo concerto do Cool Jazz Fest; que está de volta este fim-de-semana. 


Ouviu-se a música suave que a calma das duas guitarras e a tranquilidade das vozes de Erlend Oye e Eirik Glambek transmitem ao longo de «Quiet Is the New Loud» e «Riot on an Empty Street» e, também, o tom ligeiramente mais mexido (pouco mais ligeiramente) do que será o terceiro álbum de originais. E essa suavidade nunca deixou de estar presente. Mas houve um contraponto. Da mesma forma que Glambek tem preponderância na condução das músicas, Oye domina as atenções no palco - e não é só a cabeleira ruiva que já se intromete com os óculos imagem de marca. 

«Cayman Islands», «Love Is No Big Truth» ou «I Don't Know What I Can Save You From» já tinham exibido a primeira tendência. O primeiro imprevisto trouxe a segunda. O bom humor é comum a ambos, mas a demora em chegar o capo para a guitarra lançou Oye para uma performance além da música. «Singing Softly to Me» foi obrigada a anteceder «Homesick», mas mudar o alinhamento na hora não foi algo que embaraçasse. Pelo contrário, foi tão-só um preliminar do improviso a que Glambek e Oye recorreram de forma assinalável, com o ruivo deles como centro.

Um «Corcovado» genuíno e outro surreal 


Mais três novas canções e os dois instrumentos de cordas passaram a quatro - e as aparições pontuais do piano deixariam também depois de ser a excepção. Às guitarras dos dois reis juntaram-se um contrabaixo e um violino como suporte e «Stay Out of Trouble» deu início ao primeiro show improvisado de mouth trumpet de Erlend Oye - agora o contraste vincado com as cordas, mas ainda apenas outro prenúncio. 

Nova série de novidades terminou abruptamente com a guitarra de Oye estragada tal foi o reconhecido entusiasmo de batuques que escaqueiraram o microfone. Novo (re)alinhamento, pois não havia outra guitarra e o trompete humano foi ganhando dimensão sonora e... coreográfica. Mas foi «I'd Rather Dance With You» que trouxe o melhor improviso, desta vez ao piano, quando a falta de segunda guitarra já tinha deixado o plano das inconveniências. 

A grande surpresa de Eirik Glambek ficou guardada para o encore. Sozinho, mesmo que não o tenha ficado muito tempo - voltou ao palco para ter o som da sua guitarra como único acompanhamento da voz com que cantou em português «Corcovado» de Tom Jobim. E nem a aparição de Oye para o seu encore (não com o inglês da versão de Sinatra, mas com um último improviso que entrou no surreal poético) chegou para interromper a suavidade de novo depositada na forma última de «Misread»."


In Diário Digital

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